Quitandas e lembranças


Em, 25.06.2011
Por  Pietra Luña

Para os mineiros e goianos, as quitandas são iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha... Biscoitos de queijo, broas, petas, pães, empadas, coxinhas e tantas outras delícias, cuidadosamente amassados e assados nas cozinhas de nossas mães e avós, atraem crianças e adultos pelo cheiro. 

Da minha infância caseira, vem o aroma de lanches peculiares que minha mãe fazia: o "mané pelado" (bolo de mandioca), a "orelha de cachorro" (bolinho de chuva), os "biscoito de bicarbonato" / "rosquinhas de amoníaco", o "manjar de coco". Meu paladar se recorda ainda de outros doces de compotas e todo tipo de receitas usando queijo e milho, que minhas tias e avó materna faziam sempre. 

Entretanto, típica filha que sou das tecnologias e da pós-modernidade, apesar de imprimir receitas de liquidificador, no fogão da minha casa, além do trivial almoço, só "produzimos" semanalmente o  bolo de chocolate de caixa (Dr. Oetker), um raro pudim de leite condensado e o inabitual brigadeiro de doce de leite Itambé. E só. 

Quase tenho pena da minha filha que terá suas memórias olfativas - de casa -  mais reduzidas do que as minhas.  Em compensação, acho que ela se lembrará das muitas bandejas de isopor (ótimas para fazer gravuras) cobertas de salgadinhos bem feitinhos envoltos nos plásticos transparentes (ecológica-politicamente incorretos e muito práticos para viver), cujo hábito herdei dos últimos tempos de minha mãe. Não só. 

Enquanto me dirigia às compras para o fim de semana,  um aperto no peito e todos os cheiros e sabores me invadiram. A caminho da Gamela (406 sul) para buscar as famosas empadas e depois de ter comprado deliciosos folheados de castanha (entre outros quitutes) na Biscoitos Mineiros (106 sul), tive certeza de mais uma perda. 


Perdi minha mãe. Foram muitas vezes e não sei quantas mais ainda vou perdê-la - seja fisicamente ou da minha memória. É ruim não ter mãe, no sentido mais profundo e simbólico que isso significa - os cuidados, o apoio, a proteção, a disponibilidade, a disposição etc. Eu sei disso desde criança, quando precisei dela e ela não estava por perto ou disponível; chorei me virando sozinha. Também na adolescência, quando eu não a tive, pois ela não entendia o que se passava no meu universo tão intensamente emo-hormonal. Ou ainda no início da minha "adultez", quando houve sua ausência mais profunda da minha linguagem e jeito de ver o mundo. E agora nos meus quarenta,  quando ela não mais se lembra do que fizemos ontem ou hoje cedo. 

Se é triste não ter mãe, pior é vê-la se perder de si mesma, da sua lucidez e ter que acompanhar de perto tudo isso. Minha mãe já não pode mais fazer suas compras sozinha e tocar a campainha da minha casa de surpresa, trazendo "carolinas" e "rosquinhas húngaras" para a neta. Ela não pode sair por ai, sem rumo, inventando como agradar os filhos. Ela não pode tomar os remédios sozinha. Ela perdeu grande parte da memória recente e está perdendo a si mesma (e os outros),  aos poucos (ou rapidamente?). Ela ainda se lembra como faz o "escaldado com ovo" que meu avô falecido adorava tomar, porém não se lembra mais que ela assistiu à quadrilha junina na semana passada.

Amanhã minha mãe faz 68 anos. Ainda que não seja uma idade tão avançada, ela não está bem. O cérebro começou a dar pane por volta dos 60, assim como o meu avô (pai dela) entrou em "decadência" em época semelhante. Ela parou de registrar as novidades de si mesma e de seus dias que estão por vir. Ela parou "o agora" e só tem o "ontem distante". Cada vez menos ela fará quitandas e cada vez mais ela se esquecerá o gosto do acabou de comer. Seus olhos não têm mais brilho e sua comunicação é cada vez menor. Ela está desaparecendo em seu mundo mental, embora esteja fisicamente presente no nosso.  Ela está  se perdendo de si e eu a perdendo ainda mais de mim. 

Contudo, eu, hoje, "encontrei" novamente minha mãe. Ela estava me esperando, quieta, na minha memória. Ela veio faceira, tomada pelos braços da lembrança impetuosa que atravessou mais cedo o meu o caminho. Vi as suas mãos segurando o tabuleiro e seu sorriso me oferecendo um chá de canela em uma noite longínqua de julho. Eu sorri de volta e tudo se apagou quando dei uma freada no semáforo da 205 sul. Percebi o tamanho da minha dor e o quanto eu sentia saudade dela. 

Será que quanto mais perco minha mãe para os olhos, mais a encontrarei no pensamento?, refleti. Abri o pacote de pão de queijo, dei uma mordida e chorei. Chorei até as lágrimas transbordarem escorrendo pela face e eu me acostumar com a ideia de que tenho que superar um longo luto pela  morte crescente de quem está vivo e aos meus cuidados. As duas dores, a de não ter mais a mãe e a de ter a mãe doente, simultaneamente, são feito navalhas. Todo dia se corta um pedaço de mim. 


Perdendo dinheiro aos quilos!



Em, 20.06.2011
Por  Pietra Luña


A metade do ano já se foi e isso me deixa tensa. Primeiro, porque eu praticamente não realizei um terço do que eu gostaria para 2011. Segundo, porque isso me dá a sensação de que eu já não consigo mesmo realizar  minhas propostas. Terceiro, porque estou me enchendo (de tudo e de mim) a cada dia.  Triste isso! Porém, o pior do dia foi mesmo  ver quanto dinheiro o gordo gasta. Eu explico.

Agora que já cheguei aos 95 quilos (IMC 37) posso afirmar que a obesidade é um treco praticamente incontrolável quando não se tem controle. Dificultei o óbvio? Ora, se tivesse controle a pessoa não engordava. Não importam as causas, se hormonais,  emocionais, cerebrais, o fato é que o sujeito não consegue evitar que a gordura comece a se alojar em seu corpo, pois se conseguisse não se tornava obeso. Entendeu? 

Ah, mas vão lá dizer que a pessoa é abusada! Sim, deve ser mesmo, pois se fosse contida era magra, né? Dãa! Claro que digo isso sem contar outros problemas que o próprio organismo é capaz de criar para si mesmo e jogar a responsabilidade só sobre o "gordinho" é crueldade. Há situações na vida que são tão claras que chegam a cegar, feito a claridade de Brasília ao meio-dia. No meu caso, o peso entrou quando o cigarro saiu. Quase simples assim.

Mas o assunto deste texto é vestuário e não a análise dos ponteiros da minha balança. Vamos aos pontos cardeais: 1) Há quatro dias minha  empregada anunciou que faltavam cabides para as roupas novas; 2) meu guarda-roupa estava tão lotado que parecia sofrer de obesidade mórbida e os cabides já não conseguiam se movimentar lá dentro; 3) Tive que comprar várias blusas para aguentar o frio de deserto que nos abate nesta época junina/julina e gastei uma fortuna; 4) Fui obrigada a fazer faxina a contragosto.

Quando Maria falou da situação do meu armário, eu achei que era exagero. Dei aquela quase ignorada e falei para ela comprar mais cabides na loja de R$ 1,99, que qualquer dia eu dava um jeito na lotação. Ocorre que, hoje, quando fui sair para trabalhar, ao procurar uma calça para combinar com a blusa-extra-big-ex-gg-nova  azul, dei de cara com uma blusinha fofa que comprei em São Paulo no meio do ano passado. A situação dela? Etiqueta de preço ainda pendurada na gola e tão espremida, tão espremida, tão espremida no meio da superlotação do roupeiro (mais parecia metrô paulistano) que pensei ser tamanho PP de tão tímida entre as outras. E, linda! 

Vesti a blusa nova antiga e deixei a blusa nova recente sobre a cama. Dei uma olhada no espelho, gostei do visual. Dei uma olhada na cama, não gostei do que vi. A blusona me observava e em caixa alta gritava "se está com tanta roupa nova no armário para que me comprou, hein burrona?" Com dificuldade me meti no cabideiro e achei mais quatro roupas intactas só ali naquele pedacinho de varal. 

Eu sentei na cama, em frente ao cenário bizarro e observei inconsolável parte do rombo na minha conta bancária em forma de tecidos pendurados e esmagados uns nos outros, quase saltando pelas portas feito surfistas urbanos

No meio da tragédia, baixou em mim a nossa-senhora-dos-ácaros e comecei a tirar, aos espirros, todas as roupas que não cobrissem adequadamente o meu corpinho de quase 100kg. Fui tirando uma por uma, até que quase metade do volume ficou para fora. Ou seja, havia dois guarda-roupas em um. Ou seja [2], duas pessoas com corpos completamente distintos podiam se servir do mesmo armário: eu-2011 e eu-2007 (já que as roupas eu-antes-dos-quarenta, aquelas eu-antes-dos-35 e as remotas eu-antes-de-engravidar tinham ido para o brechó há tempos!). 

No sofá, a pilha de roupas ia crescendo tal como o ponteiro da balança em época de natal e ano novo. Os cabides (agora sobrando aos montes) faziam festa espalhados pelo chão e o meu pensamento lá no BB. Uns dois mil? Quatro? Talvez sete ou oito mil reais (ou mais) estavam ali para serem dobrados e guardados (doados?), enquanto outros tantos mil reais (divididos em parcelas a perder de vista) estavam entrando no guarda-roupa-de-inverno. Lembrei o quanto preciso de trabalhar para fazer essas quantias existirem na minha conta. Ai, ai! 

O saldo do dia (além da deprê)? Eu que sou uma gorda há pouco tempo (desde 2008), tenho duas opções: 1) manter-me gorda, no peso atual (se é que consigo), para não ter que comprar roupas de outra numeração ou 2) emagrecer (se é que consigo) até o manequim anterior que acabo de tirar do armário. Sei que perder muitoooos quilos não está nos meus planos por, também, dois motivos: 1) teria que comprar muitas roupas de uma numeração que não tenho mais em casa e que não sei se manteria por muito tempo e 2) alguns gordos se arrependem de emagrecer por causa das pelancas que sobram por toda parte.

Sei que sou adicta (ou compulsiva), podia pelo menos aprender a usar isso para ganhar dinheiro. Ai, ai!



Update: Para mim, a maior dificuldade sendo gorda é passar em lugares apertados e as dores que aparecem aqui e ali. Já entre ser gorda ex-fumante ou magra fumante, tenho certeza que prefiro os quilos a mais no corpo do que a dependência do cigarro (pela dificuldade de fumar livremente e incomodar os outros). 

Update 2: Um salve para a finada e ex-famosa gorda Wilza Carla


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