Quitandas e lembranças


Em, 25.06.2011
Por  Pietra Luña

Para os mineiros e goianos, as quitandas são iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha... Biscoitos de queijo, broas, petas, pães, empadas, coxinhas e tantas outras delícias, cuidadosamente amassados e assados nas cozinhas de nossas mães e avós, atraem crianças e adultos pelo cheiro. 

Da minha infância caseira, vem o aroma de lanches peculiares que minha mãe fazia: o "mané pelado" (bolo de mandioca), a "orelha de cachorro" (bolinho de chuva), os "biscoito de bicarbonato" / "rosquinhas de amoníaco", o "manjar de coco". Meu paladar se recorda ainda de outros doces de compotas e todo tipo de receitas usando queijo e milho, que minhas tias e avó materna faziam sempre. 

Entretanto, típica filha que sou das tecnologias e da pós-modernidade, apesar de imprimir receitas de liquidificador, no fogão da minha casa, além do trivial almoço, só "produzimos" semanalmente o  bolo de chocolate de caixa (Dr. Oetker), um raro pudim de leite condensado e o inabitual brigadeiro de doce de leite Itambé. E só. 

Quase tenho pena da minha filha que terá suas memórias olfativas - de casa -  mais reduzidas do que as minhas.  Em compensação, acho que ela se lembrará das muitas bandejas de isopor (ótimas para fazer gravuras) cobertas de salgadinhos bem feitinhos envoltos nos plásticos transparentes (ecológica-politicamente incorretos e muito práticos para viver), cujo hábito herdei dos últimos tempos de minha mãe. Não só. 

Enquanto me dirigia às compras para o fim de semana,  um aperto no peito e todos os cheiros e sabores me invadiram. A caminho da Gamela (406 sul) para buscar as famosas empadas e depois de ter comprado deliciosos folheados de castanha (entre outros quitutes) na Biscoitos Mineiros (106 sul), tive certeza de mais uma perda. 


Perdi minha mãe. Foram muitas vezes e não sei quantas mais ainda vou perdê-la - seja fisicamente ou da minha memória. É ruim não ter mãe, no sentido mais profundo e simbólico que isso significa - os cuidados, o apoio, a proteção, a disponibilidade, a disposição etc. Eu sei disso desde criança, quando precisei dela e ela não estava por perto ou disponível; chorei me virando sozinha. Também na adolescência, quando eu não a tive, pois ela não entendia o que se passava no meu universo tão intensamente emo-hormonal. Ou ainda no início da minha "adultez", quando houve sua ausência mais profunda da minha linguagem e jeito de ver o mundo. E agora nos meus quarenta,  quando ela não mais se lembra do que fizemos ontem ou hoje cedo. 

Se é triste não ter mãe, pior é vê-la se perder de si mesma, da sua lucidez e ter que acompanhar de perto tudo isso. Minha mãe já não pode mais fazer suas compras sozinha e tocar a campainha da minha casa de surpresa, trazendo "carolinas" e "rosquinhas húngaras" para a neta. Ela não pode sair por ai, sem rumo, inventando como agradar os filhos. Ela não pode tomar os remédios sozinha. Ela perdeu grande parte da memória recente e está perdendo a si mesma (e os outros),  aos poucos (ou rapidamente?). Ela ainda se lembra como faz o "escaldado com ovo" que meu avô falecido adorava tomar, porém não se lembra mais que ela assistiu à quadrilha junina na semana passada.

Amanhã minha mãe faz 68 anos. Ainda que não seja uma idade tão avançada, ela não está bem. O cérebro começou a dar pane por volta dos 60, assim como o meu avô (pai dela) entrou em "decadência" em época semelhante. Ela parou de registrar as novidades de si mesma e de seus dias que estão por vir. Ela parou "o agora" e só tem o "ontem distante". Cada vez menos ela fará quitandas e cada vez mais ela se esquecerá o gosto do acabou de comer. Seus olhos não têm mais brilho e sua comunicação é cada vez menor. Ela está desaparecendo em seu mundo mental, embora esteja fisicamente presente no nosso.  Ela está  se perdendo de si e eu a perdendo ainda mais de mim. 

Contudo, eu, hoje, "encontrei" novamente minha mãe. Ela estava me esperando, quieta, na minha memória. Ela veio faceira, tomada pelos braços da lembrança impetuosa que atravessou mais cedo o meu o caminho. Vi as suas mãos segurando o tabuleiro e seu sorriso me oferecendo um chá de canela em uma noite longínqua de julho. Eu sorri de volta e tudo se apagou quando dei uma freada no semáforo da 205 sul. Percebi o tamanho da minha dor e o quanto eu sentia saudade dela. 

Será que quanto mais perco minha mãe para os olhos, mais a encontrarei no pensamento?, refleti. Abri o pacote de pão de queijo, dei uma mordida e chorei. Chorei até as lágrimas transbordarem escorrendo pela face e eu me acostumar com a ideia de que tenho que superar um longo luto pela  morte crescente de quem está vivo e aos meus cuidados. As duas dores, a de não ter mais a mãe e a de ter a mãe doente, simultaneamente, são feito navalhas. Todo dia se corta um pedaço de mim. 


Perdendo dinheiro aos quilos!



Em, 20.06.2011
Por  Pietra Luña


A metade do ano já se foi e isso me deixa tensa. Primeiro, porque eu praticamente não realizei um terço do que eu gostaria para 2011. Segundo, porque isso me dá a sensação de que eu já não consigo mesmo realizar  minhas propostas. Terceiro, porque estou me enchendo (de tudo e de mim) a cada dia.  Triste isso! Porém, o pior do dia foi mesmo  ver quanto dinheiro o gordo gasta. Eu explico.

Agora que já cheguei aos 95 quilos (IMC 37) posso afirmar que a obesidade é um treco praticamente incontrolável quando não se tem controle. Dificultei o óbvio? Ora, se tivesse controle a pessoa não engordava. Não importam as causas, se hormonais,  emocionais, cerebrais, o fato é que o sujeito não consegue evitar que a gordura comece a se alojar em seu corpo, pois se conseguisse não se tornava obeso. Entendeu? 

Ah, mas vão lá dizer que a pessoa é abusada! Sim, deve ser mesmo, pois se fosse contida era magra, né? Dãa! Claro que digo isso sem contar outros problemas que o próprio organismo é capaz de criar para si mesmo e jogar a responsabilidade só sobre o "gordinho" é crueldade. Há situações na vida que são tão claras que chegam a cegar, feito a claridade de Brasília ao meio-dia. No meu caso, o peso entrou quando o cigarro saiu. Quase simples assim.

Mas o assunto deste texto é vestuário e não a análise dos ponteiros da minha balança. Vamos aos pontos cardeais: 1) Há quatro dias minha  empregada anunciou que faltavam cabides para as roupas novas; 2) meu guarda-roupa estava tão lotado que parecia sofrer de obesidade mórbida e os cabides já não conseguiam se movimentar lá dentro; 3) Tive que comprar várias blusas para aguentar o frio de deserto que nos abate nesta época junina/julina e gastei uma fortuna; 4) Fui obrigada a fazer faxina a contragosto.

Quando Maria falou da situação do meu armário, eu achei que era exagero. Dei aquela quase ignorada e falei para ela comprar mais cabides na loja de R$ 1,99, que qualquer dia eu dava um jeito na lotação. Ocorre que, hoje, quando fui sair para trabalhar, ao procurar uma calça para combinar com a blusa-extra-big-ex-gg-nova  azul, dei de cara com uma blusinha fofa que comprei em São Paulo no meio do ano passado. A situação dela? Etiqueta de preço ainda pendurada na gola e tão espremida, tão espremida, tão espremida no meio da superlotação do roupeiro (mais parecia metrô paulistano) que pensei ser tamanho PP de tão tímida entre as outras. E, linda! 

Vesti a blusa nova antiga e deixei a blusa nova recente sobre a cama. Dei uma olhada no espelho, gostei do visual. Dei uma olhada na cama, não gostei do que vi. A blusona me observava e em caixa alta gritava "se está com tanta roupa nova no armário para que me comprou, hein burrona?" Com dificuldade me meti no cabideiro e achei mais quatro roupas intactas só ali naquele pedacinho de varal. 

Eu sentei na cama, em frente ao cenário bizarro e observei inconsolável parte do rombo na minha conta bancária em forma de tecidos pendurados e esmagados uns nos outros, quase saltando pelas portas feito surfistas urbanos

No meio da tragédia, baixou em mim a nossa-senhora-dos-ácaros e comecei a tirar, aos espirros, todas as roupas que não cobrissem adequadamente o meu corpinho de quase 100kg. Fui tirando uma por uma, até que quase metade do volume ficou para fora. Ou seja, havia dois guarda-roupas em um. Ou seja [2], duas pessoas com corpos completamente distintos podiam se servir do mesmo armário: eu-2011 e eu-2007 (já que as roupas eu-antes-dos-quarenta, aquelas eu-antes-dos-35 e as remotas eu-antes-de-engravidar tinham ido para o brechó há tempos!). 

No sofá, a pilha de roupas ia crescendo tal como o ponteiro da balança em época de natal e ano novo. Os cabides (agora sobrando aos montes) faziam festa espalhados pelo chão e o meu pensamento lá no BB. Uns dois mil? Quatro? Talvez sete ou oito mil reais (ou mais) estavam ali para serem dobrados e guardados (doados?), enquanto outros tantos mil reais (divididos em parcelas a perder de vista) estavam entrando no guarda-roupa-de-inverno. Lembrei o quanto preciso de trabalhar para fazer essas quantias existirem na minha conta. Ai, ai! 

O saldo do dia (além da deprê)? Eu que sou uma gorda há pouco tempo (desde 2008), tenho duas opções: 1) manter-me gorda, no peso atual (se é que consigo), para não ter que comprar roupas de outra numeração ou 2) emagrecer (se é que consigo) até o manequim anterior que acabo de tirar do armário. Sei que perder muitoooos quilos não está nos meus planos por, também, dois motivos: 1) teria que comprar muitas roupas de uma numeração que não tenho mais em casa e que não sei se manteria por muito tempo e 2) alguns gordos se arrependem de emagrecer por causa das pelancas que sobram por toda parte.

Sei que sou adicta (ou compulsiva), podia pelo menos aprender a usar isso para ganhar dinheiro. Ai, ai!



Update: Para mim, a maior dificuldade sendo gorda é passar em lugares apertados e as dores que aparecem aqui e ali. Já entre ser gorda ex-fumante ou magra fumante, tenho certeza que prefiro os quilos a mais no corpo do que a dependência do cigarro (pela dificuldade de fumar livremente e incomodar os outros). 

Update 2: Um salve para a finada e ex-famosa gorda Wilza Carla

A proteção que busco não é grade... é grande!



Em, 16.5.2011
Por  Pietra Luña


Uma tristeza baixou agarrada à chuva fora de época que molhou Brasília hoje. O incômodo ficou apertando o peito e perturbando os olhos, sem me dizer rapidamente do que se tratava. Fui trabalhar, voltei e o segredo continuava lá fazendo silêncio na consciência e barulho na garganta. Que coisa! 

Na última tesourinha, perto da minha quadra, depois de pensar por 40 km, consegui a primeira vitória: chorar ao som do Ney cantando Cartola! (A sorrir eu pretendo levar a vida/ Pois chorando eu vi a mocidade perdida/ Finda a tempestade / O sol nascerá / Finda esta saudade /Hei de ter outro alguém para amar). 

Foi como apertar o gatilho. Sabe aqueles pensamentos que desencadeiam um monte de outros que disparam na cabeça igual metralhadora e quem morre é a nossa força? (O compositor diria que é assim que se cai "no abismo que cavastes com teus pés"). 

Eu já estava morrendo de pena de mim. Minha cabeça é tão poderosa que cria fantasmas de primeiro time, que feito o Neymar driblam qualquer lógica, dão chapéu na dignidade, chutam a autoestima e arremessam a paz de espírito para o fundo da rede. De seis a zero, a infelicidade tomou meu pensamento. Que coisa!

De repente, pimba! Cartão amarelo, apitou o juízo mental! A falta no zagueiro, abrindo a guarda, me mostrou onde estava o furo para o ataque de ideias destrutivas. Isso! Eu estava sem proteção! Percebi que toda vez que me vejo com muitas decisões a tomar, problemas para resolver, piano pra carregar, vem todo o desamparo tão familiar desde a infância. Que coisa!.

Fui daquelas que nunca teve pai, mãe, irmão mais velho ou marido para brigar por mim. Nunca tive quem comprasse minhas brigas. Nunca tive quem fosse me defender de injustiças. Nunca tive quem fosse dar um chega pra lá em um moleque idiota. Nunca tive amparo. Entretanto, já comprei muita briga por ai para defender quem eu sequer conhecia. Que coisa! 

Poxa, como arrumar algum protetor agora que não seja solar? Fui na internet, pelo menos, procurar imagens para ilustrar este texto e na busca por "proteção" o que encontrei? Grades! Telas! Gente, é prisão? Não pode ser não! Dai procurei por "amparo"... Achei a cidade... Deixa pra lá...  Que coisa!

Melhor desistir dessa busca virtual, né? Mandei um cartão vermelho para a agonia e revirei os pensamentos com outras fantasias mais prazerosas. Fui para marca do pênalti, encarei o adversário e corri para o abraço! Quem sabe a saída não seja mesmo arrumar um guarda-costas tal como a princesa Stéphanie de Mônaco? Pois afinal "você precisa de alguém que te dê segurança, senão você se cansa e dança! dança! dança!



Saudades da RÊ...






Em, 10.4.2011
Por  Pietra Luña


Bateu uma saudade dos anos 80 e hoje vasculhando a  internet encontrei um documentário dossiê sobre a morte da Rê Bordosa, o alterego (dizem) do seu criador Angeli. Será que ela precisou morrer para outras nascerem? Passei o domingo relendo suas aventuras, muitas das quais já vi ao vivo nas ruas de Brasília...


Enquanto isso no MSN...


Em, 9.4.2011
Por  Pietra Luña





Nessa era de internet, fico em dúvida se alguns homens estão "perdidos" por:

1) não saberem bem sobre o funcionamento das novas tecnologias (redes sociais);
2) não assumirem nunca o que realmente querem;
3) não compreenderem que os tempos mudaram;
4) não entenderem que suas intenções são mais óbvias do que imaginam;
5) acharem que mulheres são idiotas e cegas;
6) todas anteriores.

Recebi por email, neste sábado, o seguinte "diálogo":

ELE – eu fui muito direto?
ELA - olha, mesmo sem ser claro, eu acho que vc só quer transar comigo desde sempre. Alias, o que acho foda é o cara fingir que tem algum outro interesse.,  qdo na real quer beijar e trepar
ELE  - essa é sim uma vontade. Impossível negar isso vendo seus labios e o olhar. mas estaria mentindo se dissesse que nao poderia evoluir. essa é a unica certeza
ELA - acho que pessoas adultas podem assumir os desejos sem delongas  e eu sei que nao vai evoluir kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ELE  - bom.. nao tiro certezas assim premeditadamente
ELA - ah, querido, as suas vontades, quais sao?
ELE  - olha, eu sinceramente tenho varias vontades
ELA - eu tenho algumas certezas já. talvez seja a idade ne rsrsrsr. por exemplo, a minha vontade maior de todas  é realmente conhecer pessoas interessantes e isso varia. mas isso é muitooooooooooooooooooo difícil...
ELE – concordo...
ELA - entao, em segundo plano meu desejo é conhecer pessoas muito tesudas. mas isso é muitooooooooooooo dificil tbm na reciprocidade e ate mesmo na química. entao, em terceiro plano
ELE  - isso só se sabe depois do toque, do cheiro, da quimica entre os corpos...
ELA – (clarooooo, mas não é fácil tbm).  entao, em terceiro plano meu desejo é curtir um momento apenas, com alguém. e isso já é bem mais facil
ELE  - ser sincero e saber o que quer é um bom começo...
ELA - posso me iludir, mais do que me enganar, se é que me entende.
ELE  - gosto disso e tomar um banho de lingua, de alguem com muito tesao, faz parte dos seus desejos?


:0

Chá, café, torta, doces, salgados e gargalhadas antes das cinco





Em, 8.4.2011
Por  Pietra Luña


Gosto muito das sextas-feiras. É o dia da semana favorito, porque ele indica fim e começo. A rotina ganha termo e na sequência nascem dois dias para curtir melhor os quase ocultos prazeres de viver. Normalmente, mesmo tendo que trabalhar todas às noites, eu guardo  essas tardes para curtir desde a ressaca da balada de quinta, o café com a prima, o encontro com um affair, o bate-papo com velhas amigas até o encaixe de um ombro a um necessitado ou tal e coisa. Momento livre para os contentamentos e oportunidade para descobrir, conhecer e frequentar bons lugares. 

Sete dias antes, decidimos nos reunir depois de décadas. Era um encontro de quatro mulheres, que se conheceram - há 32 anos - por serem vizinhas em um bloco da Asa Sul, na década de 80. Tudo (re)começou quando uma ligou para outra perguntando pela fulana que queria também saber da ciclana! Feito a Quadrilha de Drummond, fomos tomar o chá das quinze horas, para... para... para... além de comer tortas, doces e salgados, para... não sei exatamente. 

Um misto de curiosidade, medo, nostalgia, vergonha, alegria (e tédio?) me levaram a querer reencontrar o passado? Ou será um fenômeno próprio dessa fase da vida quarentona? Mais disponibilidade para os afetos, as pessoas? Ou é solidão? É saudade? O que nos move em direção à memória da juventude, da infância? Por que buscar as testemunhas das aventuras, armadilhas, gostos e desgostos adolescentes? Será uma espécie de antropofilia tardia? Ou é apenas uma tradição cultural como aquela de reunir colegas de escola e faculdade? Oportunidade para fazer comparações "antes-depois", desforra? Diversão pura e simples?

Sem explicações possíveis e com leve tremor no corpo segui para a cafeteria perto de casa. Abraços apertados depois, nos sentamos e necessariamente falamos sobre a superfície de quem somos hoje, respondendo às perguntas previsíveis "casou? tem filhos? trabalha em que? mora onde?", e lembramos a imagem embaçada de quem fomos antes. Cada uma transitou entre seus esquecimentos involuntários e intencionais, assim como omitiu particularidades do agora cara a cara. Sorrimos muito. Comemos muito. Prometemos nos reencontrar muito. Demoramos pouco. Foram três horas de reminiscências suficientes para sabermos que a fofoqueira continua igual, a rebelde se enquadrou, a quieta se rebelou e a jovem que pouco se aproximava de mim naquele tempo continuou não o fazendo até ali por interno receio, apesar da vontade. 

Naquela mesa adornada de confeitos, éramos quatro representantes de uma época - uma de cada prumada do mesmo bloco X. Paguei a conta, entrei no carro e fui trabalhar. Surgiu a imagem do menino que todas beijaram e se deixaram seduzir aos 14 anos. Ri sozinha diante da cena. Um riso frouxo por dentro se esboçou no canto da minha boca em silêncio. No pensamento a certeza de que alguns registros não morrem, ainda que a gente queira enterrar. 

-x-


Confeitarias, padarias sofisticadas e cafés são opções que sempre estou disposta a arriscar e, pelo visto, estão na moda em Brasília. Pela segunda vez, fui à recém-inaugurada Cafeteria Maria Amélia que deveria se chamar "confeitaria", pois não tem o clima, charme e nem as características de um Café. Novamente lotada, talvez pela novidade, tem um atendimento demorado, mesmo para um buffet. E, mais, a grife não guarda a mesma qualidade que lhe deu a fama. Explico. Conheci os bolos e doces da empresária indo, principalmente, a casamentos chiques. De fato eram destaques pelo sabor e desenho, contudo na loja (308 sul) não sustentam o mesmo gosto e aparência. É como se estivéssemos numa ponta de estoque, numa liquidação, pagando por lançamento. Não aprovei. Aliás, nesta cidade poucos lugares são realmente irretocáveis, assim como nós.

Devassas, por que nós queremos também!



Em, 7.4.2011
Por  Pietra Luña



Meu ex-quinto-decrescente-namorado-sério faz aniversário nesta semana. Lembrei muito dele quando fui  conhecer o recém-inaugurado boteco batizado de "Devassa" - em "homenagem" às mulheres e suas peculiaridades genéticas: sarará, negra, loura, índia, ruiva - a cerveja-amante. O lugar é descolado, uma arquitetura interessante que divide a cervejaria em vários ambientes criando "climas" e, por ser novidade, cheio de gente. 

Chegando lá, para encontrar um amigo e seus amigos, fator que já me deu um certo gelo (por causa do velho mito construído na minha infância de que mulher não entra no "Clube do Bolinha"), não pude deixar de me lembrar da Sandy, a garota propaganda,  e do meu tal ex. 

Afinal, a doce filha do Xororó representava bem a "devassa"? E, mais, o que é ser mulher devassa, perguntei à mesa. Entre entendidos e discretos, o resumo popular é que mulher devassa é aquela que "gosta de sexo", "é sensual", "tem  jeito/cara de quem faz bem a coisa", "é quente" ou por oposição "não é frígida", "não é sem sal", "não é puritana"...

Não resisiti ao dicionário! O Houaiss explica que o transitivo direto devassar é o mesmo que "invadir, observar, conhecer por completo (o que é defeso ou vedado)", "penetrar na parte íntima de; investigar", e também pronominal "fazer(-se) conhecer, desvendar(-se), divulgar(-se), tornar(-se) generalizado; vulgarizar(-se)". 

Juntando as opiniões acabei concordando com os rapazes que se eu fosse homem não teria tesão na Sandy, com aquela cara de menininha-bochechuda-rosa. Bem ao contrário da minha que sempre disseram passar uma ideia de "tarada". Então, na mesma toada, lembrei também que quando eu namorava o meu ex-quinto-citado, com o qual "perdi", aos quase 18, a tal virgindade (que mais parecia um carma do que uma dádiva), fomos ao médico saber porque eu não gozava. 

O doutor, que tinha um ar devasso, tratou logo de exemplificar o caso para eu entender bem direitinho o que se passava (ou não passava nesse caso). 

- Querida (íntimo demais, né?)! Sabe um músico quando toca um violão? 
- Uhum.
- Ele precisa saber tocar não é mesmo?
- Uhum.
- Imagine, por exemplo, o Raphael Rabello tocando um violão. Ele pega o instrumento e tira um som maravilhoso! Já eu que não sei tocar, vou mexer, virar, dedilhar, sacodir e não vai sair nada! Entendeu menina? Tudo depende de quem pega o violão!
- Uhum.

Meu ginecologista tinha acabado de dar a sentença do quanto meu parceiro era inábil no quesito excitar uma mulher. Sai do consultório na dúvida se eu era um violão sete cordas ou um comum mesmo ou se meu noivo era um desajeitado costumaz. Como eu poderia emitir os meus melhores sons se o meu tocador não sabia as notas e tampouco a partitura? 

Dei o exemplo a ele, que ficou indignado obviamente, pois parece que há um acordo tácito de que os problemas sexuais são sempre por causa da mulher. Terminamos o noivado meses depois. Ainda não sabia que eu era uma devassa, só descobri essa qualidade com um rolo informal entre os dois firmes. Com o Luís Ricardo fiz ótima parceria. Juntos nos devassamos, desvendamos um ao outro, nos penetramos, nos invadimos tal como no dicionário e conjugamos carnalmente nossos desejos em comum acordo. Ali percebi que eu queria o mesmo que os homens querem: uma boa trepada, com um homem quente, que gosta do instrumento que vai tocar e sabe como fazê-lo! 

A garçonete trouxe o meu sexto ou talvez sétimo chopp loiro, olhei para um dos meus divertidos e interessantes parceiros de cervejada, fiz um raio x e já o imaginei quase nu me dando uma bela chupada.  Saúde! Tim-tim!

Para que serve uma TV se você não vê?



Em, 6.4.2011
Por  Pietra Luña


No fim desta tarde, tive que sair apressada para resolver um problema. Minha pequena filhota estava tirando uma soneca e a empregada tinha saído de folga. E agora? De um lado a urgência e de outro a prudência. Acordar a criança naquele momento não era a melhor opção. Deixar de acudir a questão, sem chance. Comecei a pensar e logo imaginei deixar um bilhetinho com a frase "mamãe foi procurar um documento no carro e volta já". Como ela sabe ler, estaria ali a minha ausência explicada. Contudo, onde dependurar o papelzinho antes de ela levar um baita susto ao não me ver em casa? 

Isso me fez percorrer a casa em busca dos melhores lugares de comunicação. Quais seriam as mídias sociais do meu lar?  Espelho? Porta do quarto? Geladeira? Porta de casa? Guarda-roupa? E mais, quais seriam os lugares que os meus familiares escolheriam para deixar um recado para mim? 

A resposta foi interessante. Há em casa meios fundamentais e diferentes para cada um dos moradores. Explicarei três deles.

Com a minha dedicada empregada, eu me comunico pelo fogão. É lá que deixo a lista de compras durante a madrugada ou o cardápio do almoço de amanhã. É lá que informo o horário que preciso ser acordada para tomar o café antes da correria do dia que nasce. É lá em cima da trempe que eu acendo as informações tardias que não tiveram tempo de chegar ao vivo. 

Já a minha caixa postal doméstica é o computador. É por cima do teclado preto que chegam os quadradinhos manuscritos dizendo "amanhã tenho médico as 9h", "fulana ligou", "tem que comprar gás". Quando chego à noite,  pego a correspondência eventual sobre as teclas "inquietas" do PC e respondo postando nas bocas "faladeiras" do fogão. 

Ih, como me comunicar com a minha meninota assim de repente? Dentre as várias possibilidades, a automática, que ela sempre (em ato contínuo) faz quando não está em seu quarto é ligar a televisão da sala!

Então, escrevi a mensagem, finalizei com "eu te amo", cortei um pedaço de durex e pimba na tela da Globo, colei bem na cara da novela das seis! Quem fala pela "telinha" agora sou eu, que há anos não ligo um televisor e tampouco acendo um fogão. Acho que estou grudada demais no computador. Isso pode, Arnaldo?

Finais felizes!

clique na imagem para brindar também!


Em, 5.4.2011
Por  Pietra Luña


Acabo de terminar um noivado de dois anos. Iria me casar no meio deste ano e, 90 dias antes, vi que o noivo tinha objetivos de vida muito diferentes do meu. Ele queria estar no mundo ditando normas de conduta para os outros, avaliando o certo e o errado da vida alheia, teorizando sobre decisões humanas. Eu quero estar no mundo desconstruindo olhares, conhecendo motivos variados para existir, acolhendo vulnerabilidades por saber o quanto doem, porque a vida é agora.

Não foi uma decisão fácil, porque havia uma excitação forte entre nós. Eu sugava o que ele me oferecia de novo e ele a minha audiência. Sou assim. Já tínhamos providenciado toda a logística para ficarmos juntos. Eu trabalhei muito para fazer o enxoval no melhor nível, com alta classe. Tudo bem passado, esmerado, nota dez. Faltava apenas enviar os convites para a festa e foi no dia de escrever o texto que me dei conta: “o que desejo dizer para marcar esse momento tão importante?” Travei. Chorei.

Era um ritual de passagem. Sair de uma condição para outra. Algo que nós seres sociais temos alguma necessidade de divulgar ou somos cobrados a fazê-lo. Da mesma forma que o pedido aceito de casamento foi alardeado, para felicidade geral, o casório também devia ter o mesmo tratamento; até maior dada a relevância que a sociedade a ele atribui.

Eu não estava feliz. Os preparativos para o casamento tinham me exaurido. Muitas discussões sobre ser assim ou assado. Divergências praticamente intransponíveis para ambos. Cheguei a comentar com alguns amigos e sempre a mesma recomendação: “calma, você está estressada. Vai passar”. Duvidei.

Imaginar-me entrando na igreja, arrastando o véu longo de tecido caro, com um sorriso estampado no rosto era impossível. A única imagem que eu enxergava era de desespero, medo e vontade de correr escadas abaixo gritando: “naaaãoooooooooo!” Havia um pânico em fazer a troca de alianças e sustentá-la no dedo para o “sempre”.

Vinha no pensamento o arco dourado reluzente, definitivo, e alguém a perguntar: “quem é o seu marido?”, “quantos filhos vocês têm?”, “onde passaram as últimas férias?”. E eu me constranger ou tentar responder que aquele casamento era de fachada, pois eu antevia que não haveria filho, que não iríamos a congressos juntos, que não me orgulharia dele ao meu lado na mesa de um bar ou na festa de aniversário da prima. Apenas seria confortável dizer “eu sou casada”.

Casar para ser casada? Não. Já havia feito dois outros casamentos praticamente nas mesmas bases, porque tinham me convencido de que era o “melhor para mim”. “Sabe né, mulher sozinha, solteirona... não vive bem”, “ah, fulano nem é tão ruim assim! Quem sabe você passa a amá-lo?”, “todo homem é assim, maltrata um pouco, mas é bom”. Chega! Esse raciocínio não me servia mais. Até tive algum ganho nas situações anteriores, porém depois dos quarenta não deveria pesar mais a vida pelas migalhas. O momento do tudo ou nada se apresentou diante da fotografia do buquê de orquídeas lilases que eu jogaria a alguma amiga louca para casar.

Então, hoje, quando comecei a rascunhar na tela do meu computador a frase “convidam para...”, senti a coluna se erguer e as mãos quase involuntariamente agarrarem o teclado para digitar “... cerimônia de desenlace. Os ex-noivos receberão os cumprimentos no salão B, por terem – em tempo hábil – descoberto a incompatibilidade que se arrastaria como peso morto pela vida de ambos. As famílias fazem questão de receber os convidados para comemorarem essa decisão tão sábia, que propiciará harmonia interior e respeito às individualidades e às diferenças dos ex-nubentes, para que a morte não os una em vida”.



Respirei aliviada. Finalmente tinha me dado conta de quantas decisões importantes tomei e quanta energia investi contra minha própria satisfação, em nome de uma “verdade” construída menos por minha intuição, sensibilidade, e mais pelo meu ambiente, família, cultura, cidade; para os quais se sobrepõem as leis do “mais vantajoso”, “maior dinheiro”,  “certo”,  “melhor para mim”, “a vida é difícil mesmo”, “são os ossos” e blábláblá. Desta vez não. Podia pegar o avião, mais uma vez, na quarta-feira. 

Recordei um a um os atalhos que percorri, achando ser o caminho mais fácil, rápido ou garantido. Puro medo de ser eu e assumir minha diferença, minha falta de enquadramento, minha dispersão da multidão, que na minha fantasia é um tanto mais vacinada para ser infeliz e acomodada na insatisfação do que eu.

Entretanto, constatei, novamente, o quanto sou influenciável, manipulável e cordata ao obedecer por mais de quatro décadas os desígnios do socialmente melhor aceito (na corrente do status e dinheiro) em contrariedade ao meu desejo e natureza de interagir espontaneamente com pessoas, compreender a vida e expressar minhas percepções sem regras preestabelecidas.   

Esse compromisso não era para mim e eu não tinha porque assumi-lo. Tirei da caixa o vestido branco, estendi sobre a cama, coloquei minha aliança por cima, ajeitei a grinalda e o véu junto a todas as anotações, registros dessa história, tirei uma fotografia e embalei. O telefone tocou e minha amiga eufórica disse: “Acabo de desistir do mestrado. Enfim, nada de lattes, títulos, artigos obrigatórios... Era tudo uma farsa...”. Peguei o pacote, passei no correio e saímos para brindar, com um champanhe, as desistências necessárias, aquelas que nunca nos apoiam ou ensinam, mas que são fundamentais para a saúde mental, emocional e até mesmo física. É quando se abre a possibilidade de um final realmente feliz. 

Mulheres-docetas e homens-bocetas



Em, 5.2.2011
Por  Pietra Luña


Éramos seis. Perdi as contas das vezes em que os papos acabam em sexo. Ou começam. Rubores de um lado e escrachos do outro, o tema segue. Ora enoja, ora excita. A conversa rola. Doutores daqui e curiosos dali, a dicas animam. Preconceitos e despudores se alternam na vida como ela é. Até que...

Uma das "meninas" logo levanta a voz, indignada: "estou cansada de ser apenas uma boceta!! Chega! Sou uma mulher! Exijo respeito, admiração, atenção e paquera". Gi que estava em crise hormonal contestou: "larga de ser besta, mulher! Nessas carnificinas noturnas você espera encontrar alguma coisa a mais do que picas à beira da ereção?" Tudo fazia sentido, menos o meu copo vazio.

Eu saquei um guardanapo e anotei a ideia para fazer um texto: mulheres-bocetas e homens-cacetes. Ficamos no Beira até fechar. Depois de uma conta surreal e cervejas reais na cabeça peguei um táxi. Fui embora pensando em "pirus e xoxotas". Nos flashes vinham os argumentos a favor e contra a liberação do desejo sexual.

Entendia o ponto de vista da Fernanda que se sentia tão carne de açougue, tão desvalorizada como mulher, tão "perereca" ambulante, que já estava desistindo das baladas muito azaradouras. Também compreendia perfeitamente a visão mais libertina de Gi com seu furor e desejos imediatos. Faces de uma mesma moeda, em oposição.

Duas coca-colas depois, sem cara ou coroa, sentei para escrever e fui procurar imagens e conceitos para ilustrar esta postagem. Num erro de digitação mandei o google pesquisar "docetas" e na primeira ocorrência me vem o "docetismo". Uau! "dgrego δοκέω [dokeō], "para parecer" é o nome dado a uma doutrina cristã do século II, considerada herética pela Igreja primitiva". Céus! Cacetes me mordam! "Para parecer", exatamente o pensamento da Nanda se recusando a apenas "parecer" uma boceta com CPF. E tinha mais, explicava a confiável wikipédia "a doutrina defendia que o corpo de Jesus Cristo era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Não existiam 'docetas' enquanto seita ou religião específica, mas como uma corrente de pensamento que atravessou diversos estratos da Igreja.


Pronto, matada a charada! Fernanda queria ser uma doutrinadora do docetismo, militando nas noites, ao tentar convencer que seu corpo era apenas uma ilusão na madrugada e que sua alma estava acima de qualquer forró, pagode ou enconcho alcoólico. Ou seria Gi que tentava nos convencer acerca das ilusões amorosas botando o corpo nítido diante de qualquer espreita? Babado complexo para as três horas da madrugada.


Dando um tempo aos neurônios, fui buscar imagens sobre sermos bocetas. Encontrei uma porção de bucetas (só faltou o limão cortado de banda), modelos variados, cores, tamanhos, estilos. Vi mapas apontando os pontos do prazer e personalidades desenhadas. Peludas, peladas, negras, rosadas, abertas, reservadas. Nessa história acabei me esquecendo dos cacetes! Caceta! Fingi que não percebi e resolvi terminar a postagem. Conclui que quem quer só sexo não procura identidade. Tampouco religião. Gozai-vos vós, amém! 

Mães predadoras


Em, 4.2.2011
Por  Pietra Luña


Há uma santificação de mães que me incomoda. Essa coisa canonizada de maternidade e paraíso não me convence; muitas amigas dizem o mesmo. Penso inclusive que nem toda mulher tem as habilidades necessárias para ter filhos, ainda que consiga gerá-los e pari-los. 

Eu estou entre a falta de habilidade e o senso de responsabilidade, o que no fim das contas é a busca por um meio do caminho: nem tão paparicados,  nem tão largados. Sou mãe suficientemente má (ou boa), pois quero que minha filha tenha o caminho próprio da personalidade e desejos dela e não minha projeção (ainda que seja muito difícil ficar invisível diante de).

Entretanto, conheço umas mães predadoras que comem vivos os filhos e quando eles não morrem para a vida, ficam aleijados. São "boazinhas" demais em nome do "futuro" dos filhos. Nem vou comentar sobre o papel masculino, porque tirando um pai atuante que conheço, o resto é tão ausente que nem considero pais, apenas reprodutores. 

Voltando à mulherada parideira, vejo umas e outras fodendo a vida dos jovens em nome do bordão "fazer o melhor por eles". Aqui não tentarei decifrar as motivações psico-emocionais-físico-financeiras-genético-culturais que leva cada mãe a ferrar um filho, porque alguns fatos são mais reveladores do que os divãs.

Uma delas teve filho aos 43 e trata o menino - desde bebê - como um gênio prodígio. Felipe aprendeu a ler antes dos dois anos, em compensação morria de medo dos balões no dia do niver. Ele podia identificar a frase "feliz aniversário" pintada nas bexigas, mas não ousava chegar perto delas. Enquanto isso, os coleguinhas analfabetos jogavam as bolas pelos ares.

Tudo bem, a gente no começo dessa aventura chamada maternidade não sabe mesmo o que fazer. O problema que me assalta a alma é ver mães detonando seus filhos adolescentes justificadas por um  egoísmo travestido de amor. 

Na espera do consultório, acompanhei um incrível diálogo que se resumiu em: a mãe procurava uma terapia para o filho, porque queria que ele, adolescente de dezesseis anos, fosse mais "comunicativo", pois parecia muito tímido, sem namoradas e pouca fala. A questão é que o garoto não era tímido, não namorava porque não queria e falava pouco sobre os problemas (da mãe com o padrasto) que a ela trazia para ele. Ela queria que ele fosse igual a ela: tagarela atiçada! Um imbróglio!  

Outra foi minha tia quem contou. O filho da vizinha fazia supletivo primeiro grau para chegar logo ao ensino médio, uma vez que tinha reprovado duas vezes e "precisava" fazer vestibular antes dos 18 anos para manter a pensão alimentícia (recebida do pai ausente) até os 24 anos . Tudo isso sem a mãe se importar com a falta de base escolar desse garoto. Tudo por dinheiro.

Há mais exemplos, mas deixemos pra lá. Neste começo de século XXI,  em nossa cultura, os valores humanos estão focados em descartes, dinheiro, esperteza, pressa. Espera-se dos humanos que rapidamente sejam "alguém na vida" (o que é isso mesmo?), "formem suas famílias exemplares" (Angélica e Huck?), "ganhem muito dinheiro"(prêmio BBB?), "sejam manobristas do obstáculos sem maiores critérios" (Lei de Gérson). E as mães têm contribuído muito para que essa cultura permaneça intacta e alimentada. 

O Cisne negro está aí para sugerir como as mães podem fazer estragos na vida dos filhos (no caso filha). Tem outros tantos filmes que mostram a maternidade predadora. E a culpa, dizia Freud (ou como ainda reforça a mídia rasteira), é sempre da mãe. Claro, porque é ela quem carrega o filho no ventre e muitas vezes na vida. Sem útero não há nascimento e depois que nascemos há dor. Só as futuras mães podem evitar a dor da vida (abortando os fetos). A solução talvez esteja em abortar, em vida, algumas mães; pois mais insuportável é conviver com mães predadoras. Terapias bem-feitas servem para isso.

Cheiro de início



Em, 3.2.2011
Por  Pietra Luña


As aulas estão aí. Com elas, vêm as listas de material escolar. Com elas, a bateção de pernas. Com elas, a exaustão. Com elas, a interminável "encapação" de livros.  Com ela, a vontade de voltar às férias. Um aparte, é impressionante como início de ano tem contas a pagar e demandas para resolver. 

Nessa busca insana, ainda bem que em tempos de internet e código do consumidor temos o Procon para dar uma força, contudo acabei optando pelo menor esforço e os meus critérios para seleção da loja a comprar foram: 1) fugir do péssimo atendimento da Casa do Colegial , 2) comprar onde o material fosse todo encapado com contact transparente e 3) ficasse perto de casa. Acabei indo parar na Britto, que não sei porque razão essa não participou da pesquisa do Procon e também não faço ideia se paguei mais caro ou não (mais um prejuízo para computar nos meus 35%?)

Deixei meu lado consumidora consciente debaixo do tapete, para poupar minha irritação de pesquisar preços, pular de mal atendimento em mal atendimento, mau humor de vendedores, filas intermináveis nos caixas, estacionamentos cheios e pagos; essas finesses do pré-começo-de-ano-escolar. Não me arrependo, mas tenho do que reclamar (hehehe). Claro, sempre! No caso, o pior foi o pós-venda (problema sério no Brasil). A "listinha", que ficou em quase mil pilas (isso sem o material coletivo que não compro), só estaria pronta para entrega (livros esgotados, por encomenda) duas semanas depois. Mesmo ligando mil vezes, não conseguia uma informação clara e a ligação ficava pulando de ramal em ramal com a chata Pour Elise ao fundo (sorry Beethoven, mas acabaram com sua música).

O bom mesmo de tudo isso é o cheiro. Quando peguei os livros, cadernos e miudezas fiquei sentindo aquele cherinho bom de plástico, borracha, papel novo. Delícia! Eu tenho certa tara por papelarias, mesmo nunca tendo transado com uma. Só não encapo mais o material das crianças porque dá uma trabalheira e prefiro gastar esse tempo blogando! 

Quando minha garotinha foi arrumar a mochila,  ao pegar um treco qualquer no armário, falou: "mamãe eu adoro o cheiro desse armário, ele me lembra quando eu era pequena". Eu ri. Alguns cheiros se eternizam na memória. Na minha tem cheiro de aniversário, cheiro de natal, cheiro de viagens, cheiro de um porão, cheiro de certas épocas. Eu lembro vividamente do cheiro de café torrado das minhas férias. Nada como um cheiro de início. 

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