Recesso no blog

Silêncio necessário ou verdades desnecessárias?


Em, 16.12.2010
Por  Pietra Luña



Assistindo a uma apresentação de balé clássico na decadente Villa-Lobos rememorei o quanto as palavras impróprias têm força e efeito destrutivo na autoestima do indivíduo, principalmente, em algumas situações bem específicas. Minha mãe conta que eu não estudei balé quando criancinha porque faltava grana. Uma verdade necessária para se compreender a respeito de uma impossibilidade, uma limitação. 

Até ai tudo bem e confesso que eu nem me lembro bem desse desejo pelas sapatilhas em si. O que mais me recordo é que sempre adorei dançar e continuei crescendo com a vontade de sacolejar o corpo para uma variedade de músicas. Até que... 

Numa tarde qualquer da minha adolescência, por volta dos 14 anos, fui surpreendida pela frase "seu irmão tem muito mais molejo e jeito para dançar do que você". Ocorre QUE esse irmãozinho de 11 anos não gostava (continua não suportando e nem sabendo tal) de dançar e muito menos de eventos dançantes e tampouco dançava! Já eu vivia tentando daqui e dali copiar e inventar coreografias. A sentença-bomba simplesmente fez rachar meu palco e eu cai no vão da "sem-jeito-dura", por extensão. 

Com mil tchu tchus! Por que motivos nossa querida mãezinha resolveu professar tão destrutiva comparação? Qual foi o desejo materno que resolveu romper esse silêncio tão necessário para não se promover uma impossibilidade, uma limitação? 

Não me esqueço daquele dia e da sensação de incapacidade que me lançou, por anos, para "o sótão" dos meus pensamentos autodestrutivos feito uma Cinderella presa em seus trapos, insegura quanto poder ir ao baile. 

A sorte é que a fada-madrinha do meu desejo impulsivo, incontido, dançante colocava asas nos meus pés em qualquer festa. No entanto, aquela frase ressoou por muito tempo trincando meus sapatinhos de cristal. Tropecei aqui e ali. Não desisti e, finalmente, fiquei descalça. Agora eu rodopio, ondulo os quadris, serpentino os ombros e flutuo em qualquer estrado. Sem sentença. Minha mãe e meu irmão não dançam. Nem cantam. Não direi isso a eles. 

Antes das seis, depois das seis, faltam três.



Em, 15.12.2010
Por  Pietra Luña


Liguei para a antenada Joice na hora do Bom Dia Brasil,  quando acabaram de anunciar sobre a proposta de aumento salarial dos parlamentares em mais de 60%. Eu precisava com urgência que ela me indicasse um marceneiro, um bombeiro, um eletricista, um pintor de paredes, uma vidraçaria e uma loja de consertos de eletros. Detalhe: para ONTEM. Ela riu de mim e me culpou pelo terceiro divórcio. Eu não sabia em que estado de pânico eu deveria entrar: se na política brasileira - enchendo a casa de parlamentares às vésperas das férias para atuar em causa própria, ou na política interna bruta da minha vida - vazia de gênero masculino para atuar em casa alheia. Decidi pelas páginas amarelas. 

Busca sofrida do uni,duni,tê. No escuro, contratei um rapaz que se dizia especialista em generalidades (só de noite descobri que existem maridos de aluguel. Fica para a próxima) conhecido do porteiro do prédio. Pense no pior. Pior do que comprar ferragens e apetrechos para a manutenção de um imóvel é encontrar mão de obra capaz. Diz meu amigo Houaiss que uma pessoa capaz é  aquela que possui qualidades necessárias ao desempenho. Ah,  desempenhar, ele me lembra, é executar uma tarefa. Ok! Ninguém definiu que a atividade deveria ser bem feita. Pô, e lá vem ela querer qualidade! Tá, nem estou querendo mais, quero apenas que as portas voltem a se abrir, que os tacos parem de voar quando me levanto do sofá, que a cozinha não alague na hora do almoço e que Maria me deixe em paz. Ou melhor, que os vizinhos vão cuidar de suas casas, por que não é somente a minha que tem reparos a fazer e parem de reclamar da furadeira. Confuso? 

É o seguinte. O rapaz cheio de boa vontade veio fazer o orçamento das mil e uma tarefas. Acho que ele não estava muito interessado em trabalhar não. Mas, com aquela cara de interrogação misturada com reticências, ele disse que me cobraria R$ 100 para todos os serviços e que duraria um "dia inteiro". Começou às 11h.  Ele escolheu uma sequência de serviços e foi executando. Lá pelas sete da noite, o síndico (escoltado por um vizinho do andar sei lá qual) veio mandar que imediatamente a furadeira calasse a broca. 

Irritada pelas tampas, questionei que a lei de silêncio era a partir das 22h e que só faltavam TRÊS furos para o serviço terminar. Ele firmemente argumentou que o regimento do prédio não permite "obras" a partir das 18h até 8h30min. Novidade para mim! Dai, não teve mas e nem porém, no entretanto ele disse que era inegociável "pois os ruídos anteriores (cinco furadas) já havia esgotado a cota de tolerância da vizinhança". Paramos a saga dos consertos. O contratado-faz-tudo foi-se embora. Sentei na beira do banco de pedra e chorei, esperando um milagre!

Liguei para Joice, novamente, agora na hora do Jornal Nacional, no momento em que Lula apresentava o balanço de seus oito anos de governo. Contei-lhe sobre as frustrações do serviço "meia boca" e da mordaça que meteram na pistola. Ela me disse que no trabalho dela as "furadeiras"são proibidas antes das 18h, para não atrapalhar o trabalho nos escritórios vizinhos. Vi o quanto eu era uma ignorantona em termos de horários para perfurações! Eu fui pesquisar sobre o silêncio.

Acabei descobrindo, em um fórum jurídico virtual, que existe um mito no Brasil sobre "silêncio a partir das 22h". Engraçado mesmo são os depoimentos, dúvidas e sugestões de atitudes dos participantes. O melhor de todos foi o conselho da Nilce: "Como proceder? Bem, melhor ficar na tua, afinal nem sempre sabemos com quem estamos lidando!" Na mesma hora me imaginei apontando a furadeira para o síndico e o vizinho ultrasensível e dizendo aos gritos "vou furar! vou furar! faltam três! faltam três". Certamente, eles pensariam que faltava eu furar os olhos de mais três pessoas da vizinhança, e que dois eram eles próprios. Fiquei rindo sozinha até o Jornal da Globo começar, quando soube que doze milhões de brasileiros foram roubados no último ano. 

Desorganização no desaniversário ou organizando mais um dia de vida


Em, 14.12.2010
Por  Pietra Luña


Há anos que eu não ganhava parabéns pelo meu desaniversário! Recordo nitidamente como eu esperava os 11 especiais dias 14 do ano para comemorá-lo. Era uma brincadeira de meninota, muito divertida, naqueles tempos em que fazer um bolo já era a festa. Bastava organizar uma mesa com a toalha mais nova e limpinha, a melhor louça da casa, assar um tanto de pão de queijo, bater a massa, fazer um brigadeiro de colher, juntar meia dúzia de crush e bidu, chamar os sete amigos da vizinhança. Pronto! Sorriso no rosto e alegria na barriga. O que valia mesmo era o ritual de apagar as velinhas, normalmente na sala de estar, junto dos íntimos; nada que se compare aos espetáculos atuais. 

Quando Patrícia ligou para me cumprimentar com seu "alôoooooooo, amigaaaaaaaaaa! Feliz desaniversáriooooooooo!!!", às 10h, eu estava batendo pernas na W3 sul, com pena do estado caótico da minha morada. Foi ali na 511, a conhecida "rua das ferragens", que rasguei o peito de contentamento e acelerei as emoções dos tempos idos. Bem ali, no meio de pregos, parafusos, dobradiças, cola de madeira, arruelas, cifão, torneiras e outras quinquilharias que servem para não deixar a casa cair. Fiquei tão desconsertada, que o vendedor me ofereceu um banquinho no momento em que eu arregalava a voz ao telefone, com olhar berrante, dizendo: "nãooooooooo! Nãoooooooooooooooooo acreditoooooooooooooo! Você lembraaaaaaaaa dissoooooooooooooooo?!?!?! Nãooooooooooooo! Nãoooooooooooo é possíveeeeeeeeeeel!". Tomei água, gargalhei por dentro e segui de loja em loja, quadra em quadra. Andei muito!

É que depois de criticar Maria dando me conta de quão péssima "mandante de lar" eu sou, resolvi fuçar a casa inteira para ver os reparos necessários e, enfim, fazer o papel que me cabe (não, definitivamente não caibo bem dentro dele mas insisto). Desorganizei tudo à procura dos "crimes" domésticos, cuja culpa é praticamente da minha sem-vergonha preguiça com a cúmplice vista grossa. 

Quanto ao estado da arte, posso afirmar que meu lar estava um rascunho mal traçado! Box do banheiro com algumas rachaduras irritantes (naquele acrílico lindo amarelo açafrão para destacar os azulejos azuis. Tá bom, o ap. é alugado, eu sei); portas de armários emperradas; quatro dobradiças quebradas; dois puxadores sumidos; uma torneira vazando; dois bocais enferrujados; uns cinco tacos do inferno soltos; aspirador de pó com defeito; videocassete idem (é, pode rir que eu ainda tenho um). O fogão não vou comentar, esperarei as "ofertas" de janeiro, pois Maria MANDOU eu trocá-lo urgente, sob pena de não termos mais qualquer assado no almoço.

Depois do sobe e desce tesourinhas, passei na padaria, comprei pão de queijo, guaraná, uma vela e liguei para Maria fazer um bolo. Botamos uma toalha bonita, as porcelanas do casamento, os talheres do faqueiro, os copos da cristaleira e em volta da mesa cantamos os parabéns por mais um dia de casa com a possibilidade de organizar a vida. Dei o primeiro pedaço para Maria.


A pressa é inimiga da conservação



Em, 13.12.2010
Por  Pietra Luña

Segunda-feira, 13. Bem pior do que se fosse uma assustadora sexta. Minha faxineira chegou cantarolando o meteoro do Luan Santana. Trocados os usuais "bom-dia", minha vontade foi entrar em um foguete direto para Saturno, antes de ter um ataque de fúria (ainda mais perigoso nestes meus dias de TPM). Perguntei:

- Maria, você sabe onde está a tampa do liquidificador? É que... Interrompendo, ela disse:
- Sei não senhora!
- Mas... Maria eu nunca mexo nele e é você quem usa todos os dias...
- Não vi não senhora!
- E cadê aquela travessa de barro do conjunto de feijoada?
- Ah, eu não sei não senhora!
- Maria, quem arruma esta casa todos os dias há dez anos?
- Sou eu sim senhora!
- E você não sabe de nada?
- ... 

Maria ficou muda. 

Respirei fundo, raso, sufoquei e nada de me acalmar. 

Lembrei do vaso de porcelana chinesa (de vovó) que ela quebrou, empilhou as peças usando uma cola branca de escola e deixou lá quietinho no mesmo lugar. A blusa de seda, que Jane me trouxe da Europa no ano passado, com uma chamuscada de ferro quente no peito esquerdo (de cortar o coração, com diz o ditado). As peças de roupas claras manchadas de escuro. E... mais um monte de estragos, tudo guardadinho como se nada houvesse. 

São anos e anos, eu ensinando que detesto mentiras, que as pessoas erram e blábláblá, que ela não me deixe levar sustos ao encontrar minhas próprias coisas em estado deplorável, assim "do nada". São anos e anos, eu ficando apressadamente irada às segundas-feiras quando, obviamente, após um fim de semana na cozinha e nos afazeres domésticos, pergunto sobre situações diversas e ela me responde: "não sei não, senhora!" 

Pratos, pires e xícaras lascados nas beiradas, dúzias e dúzias de copos quebrados, botões de eletrodomésticos rachados, soltos, perdidos e  panelas com cabos destruídos... Danos e prejuízos por causa da afobação em terminar o trabalho e da  falta de atenção (ou raiva?). Não sei não, senhora! Não fui não, senhora! Não vi não, senhora! Sei, Maria...

Maria é estabanada, eu sei. Ela não sabe disso não senhora. Mas, é gente boa e da maior confiança. Só não é funcionária padrão, nota dez. Maria é nota 7,0. Melhor que a média, né? 

Foi no final do domingão preguicento, que levei mais um susto. Eu estava faminta de tanto dormir e fui providenciar uma comidinha, até que... Peguei três almofadas, sentei e chorei. Dona de casa ausente é que não sabe o que se esconde por detrás das portas dos armários da cozinha e em suas gavetas esconderijos. (Admito que essa parte do recinto é pouco frequentada por mim, aliás eu a evito). Se eu não sei de nada que acontece na minha casa, por que Maria saberia? Eu sou dona de casa nota 3,0. Bem abaixo da média, né? Sofrível. 

Por isso, a partir de hoje, lanço a máxima: A pressa é inimiga da conservação! Colei uma faixa na porta da cozinha, para mim e para Maria. Tomara que se conserve a relação carinhosa de uma década, sem pressa. Minha ou dela. 



Se o dia tem uma cara é a minha...




Em, 12.12.2010
Por  Pietra Luña

Ouvi na fila do mercado uma moçoila comentando com sua amiga: sexta-feira é a cara da pegação! Pensei com meus pacotes de omo e de arroz tio joão, e dia tem cara? Qual é a cara da segunda? E da quinta? Sábado? Analisei um pouco mais e fui tentar imaginar "the sunday´s face"!

Recortei registros da infância,  colei com os juvenis e somei um pouquinho dos atuais, com medo de imaginar os futuros. O mosaico dominical foi tomando forma fila de cinema com tumulto de igreja, gosto de macarrão com frango assado, ao som de Faustão e Silvio Santos, com bebedeira de futebol e churrasco no clube ou no condomínio. Tudo junto e misturado, como se diz por ai. 

Parei, olhei o cenário familiar, respirei fundo e tive um sensação de cansaço tão grande que resumi: domingo tem cara de canseira! Imediatamente, questionei o pacote de miojo (a cara dos solteiros) -  naquele momento flertando como ovo, mas então está tudo errado?! Se a semana inteira tem jeito de excesso de afazeres e trabalheira, por que o domingo - dia de folga - não dá a tal folga? Quase decretei: fins de semana cheios, "never more"! 

Aproveitei que os parentes tinham um programinha de domingo na casa da sogra, despachei homens, mulheres, idosos, crianças, mochilas, obrigações e enterrei a dona de casa. Enfim, sós! Eu, cama, lençol e travesseiro (por vezes o ventilador aderia ao conjunto). Dormi o domingo todo! Aleluia! Com esse quinteto amoroso, cheiroso e macio, que não dispenso, fiz um verdadeiro "gang bang" dominical, indicado apenas para os corajosos, que sabem que dormir não é perda de tempo. 

Acordei às 23h e vaticinei: eu preciso urgentemente redescobrir  não esquecer que a emoção "de ver a vida acontecer como um dia de domingo!" é do meu íntimo e não me sentir culpada se o dia tiver a também a cara da minha vontade. O desejo de estar comigo. E só. 



Sexo e pés, na dúvida de título melhor


Em, 11.12.2010
Por  Pietra Luña


Nunca tive uma boa relação com meus pés. Quando menina vivia descalça, usava calçados os mais abertos possíveis e brincava de encavalar os dedos. Na adolescência, na mesma intensidade e pavor em que passei a odiar os meus cabelos, comecei a ver os meus "órgãos de locomoção" (vulgarmente apelidados de patas) como as maiores aberrações do meu corpo. Eram pedaços estranhos de mim, que cresciam desproporcionadamente, de forma rápida e que mereciam ser escondidos para sempre. Via-os como pranchas magras, ossudas e compridas. Um terror! Ainda mais quando eu ouvia que alguns homens tinham suas  taras por pés femininos

Contraditoriamente, eu odiava àqueles que poderiam ser os meus maiores aliados: os tênis! Oh, coisas feias, bizarras e medonhas eram o bamba e o kichute, minhas opções daquela época de poucas ofertas em Brasília e vacas magras em casa. Logo mais, apelei para as antigas melissas (com meias, é lógico!) e para as alpargatas de lona com solado de corda. Foram anos nessa parceria pés cobertos e molhados, pois as aberturas da melissa e a sola das alpargatas deixavam a água da chuva entrar e ensopar tudo! 

Poucos anos depois, eu estava formada, trabalhando no serviço público, usando os clássicos scarpins de salto alto (um número menor para os meus pés ficarem como os das gueixas japonesas, portanto mais femininos) e, consequentemente, fui alimentando diariamente um imenso joanete. Só deixei de usar sapatos fechados e menores do que os meus pés depois que eu engravidei. Como engordei horrores, os pés ganharam três números! Um a mais para compensar o "um a menos de sempre" e dois a mais para compensar o inchaço e o sobrepeso. Opção? Chinelos e rasteiras. Muitas sandalinhas vieram e, assim, meus pés se libertaram para sempre! 

Com os dedos à mostra, joanete à mostra, veias à mostra, calcanhar à mostra, unhas à mostra e pés completamente nus pude curtir outros modelitos da indústria "calçadeira". Tudo isso porque, mulher adulta, percebi que os cabelos e os pés podiam ficar em outro plano, beeem mais longe do foco principal. Ou seja, minhas pontas devolvidas às pontas, né? (Cabelos x pés!). Passei a dar mais importância ao meio, ao conteúdo, ao ventre. Eta fase boa e livre! 

Foi bom recordar tudo isso quando uma chiquérrima amiga, que mora no outro lado do mundo, veio agora passar férias em Brasília e me convidou para conhecer o novo shopping - Iguatemi, no qual tão cedo não iria por ser uma tortura como falei outro dia aqui. Outra surpresa foi conhecer a loja Capodarte, famosa em São Paulo, há 20 anos no nobre bairro Jardins. 



Nós fuçamos, calçamos, andamos de um lado para outro na loja. A vendedora e a gerente (que nos deixou fotografar tudo na loja, tema para outro post), simpaticíssimas, nos atenderam com muitos sorrisos, disposição e profissionalismo (requisitos essenciais ao comércio, embora raros na prática). E eu que não ia comprar absolutamente nada, sai de lá com sacolas nas mãos e sapatilhas novas para os pés. A douradinha de matelassê é simplesmente básica, chique e sem igual para acomodar pezinhos cansados. Fora o sexo, há prazer maior  para o corpo do que o conforto? Eu recomendo! (Ambos!)


Ardor de frozen, pq a febre já gastei com o iogurte



Em, 10.12.2010
Por  Pietra Luña

Ontem eu postei aqui sobre a febre de frozen que se espalha (tardiamente) pela cidade. E não é que hoje eu voltei a postar sobre frozen? Mas, agora é de tequila! Troquei as baixas calorias do iogurte pela alta capacidade de me fazer feliz das Margaritas Frozen! Comemorei o aniversário de uma querida amiga com algumas doses de alegria-colorida-congelada. Um sorvetinho de gente grande com gosto de quero mais. (hehehe) E eu quis.

Além dos 70 dedos de prosa, das 80 mil gargalhadas histéricas exultantes, dos 3 milhões de calorias injeridos (com a pequena ajuda de burritos, nachos, quesadillas - se eu adoro aquela comida típica? Sim! principalmente guacamole -  e para arrematar uma torta sufflair), tive a infinita sensação de que alguns lugares são especialmente surpreendentes. 


Raro isso: o poder de encantar repetidas vezes! Sabe um restaurante (ou bar) que não é o primeiro que você se lembra quando quer sair, mas que todas as vezes que você vai lá sai completamente feliz? Isso aconteceu novamente - hoje -  no El Paso Texas da 404 sul



A palavra Texas deriva de Tejas, palavra indígena que significa "amigos" e eu faço "amizade" com aquela fachada luminosa, que pendura a metade de um carro (?) e exibe em suas paredes, móveis e no teto um punhado de adornos mexicanos, há mais de uma década. Já estive lá em uma dezena de situações noturnas - de jantar com candidato a namorado até comemoração de ballet - e sempre foi bom! Aliás, encantador. Essa é a palavra que descreve melhor o que eu sinto quando estou no El Paso Texas.

Acredito que a mistura de luzes, cores, enfeites, a comida gostosa, as bebidas especiais e, principalmente, o atendimento "bateria nota dez" (educados, prestimosos, atentos) fazem de lá um ambiente especial. Ali viajo. Imagino Octavio Paz , sentado na última mesa à esquerda do salão, rascunhando um poema, esboçando um texto, tomando um "shot". Divago. O garçom traz a conta e me dou conta do faz de conta que posso construir ali, para depois contar mais uma história antes de voltar e novamente me encantar.


IRMANDADE
por Octavio Paz

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima:
as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
Também sou escritura
e neste mesmo instante
alguém me soletra.

Febre de frozen!


Em, 09.12.2010
Por  Pietra Luña


Fico impressionada como alguns tipos de comércio se multiplicam rapidamente em Brasília. Lembro-me que na época das lojas de 1,99 (década de 90), a cada conjunto de quatro quadras, praticamente, se encontrava uma representante de quinquilharias chinesas. Em 2010, é a vez do frozen yogurt (americanizado mesmo). Neste mês, já passei por mais de cinco lojas de marcas diferentes. Embora seja um produto com mais de 40 anos, muito apreciado pelos americanos, a reprodução de franquias do "iogurte congelado" está no auge aqui no Brasil. 

Qual é a melhor? Posso dizer que vi umas lojas mais charmosas do que outras, da mesma forma que vi alguns atendimentos mais simpáticos do que outros. Quanto ao gosto, não notei grande diferença em termos de "qualidade", apenas o sabor por causa da diversidade de frutas. De qualquer maneira, gostei do produto, pois adoro gelados e ainda mais vindos dessas máquinas que me recordam os antigos sorvetes italianos da década de 70/80. O sorvete é uma velha mania que de tempos em tempos troca de roupa. E que venham outras modas! 

Garganta profunda


Em, 08.12.2010
Por  Pietra Luña


Acordei de um cochilo no meio desta tarde (uma enxaqueca terrível me pegou pela nuca). Motivo? Uma pamonha quentinha!  Tirei o tapa-olhos e vim para cá BERRAR publicar minha TPM (Tem Pamonha na Mídia). Muito antes da era virtual (na qual se vai e se compra sem sair do lugar), as propagandas eram feitas no grito: pipoqueeeeiiroooooooooooo!! Amoladorrrrrrrrrrrr! Leteeeeiroooooooooooo! Beeeem mais tarde vieram os ambulantes de praia com seus "amendoimmmmmmmmmmmm torradinhooooooooooo", "espetinhooooooooo", "olha, oooo maaaateeee gelaaaaadoooo" entre outros tipos de comilança que a gente se permite sob sol, vento, mar e muita areia no gogó.

Curiosa fui pesquisar a origem dessa propaganda "oral". Na cidade mineira Arcos, dizem que essa ideia de comunicação falada nas ruas teve grande apoio da igreja católica (por exemplo, na década de 50, padre Domingos usava alto-falante para propagar avisos de missa). A gente sabe que a história da comunicação é bem antiga. Em 59 a.C. surgiram os primeiros outdoors (esculpidos em pedra) com avisos sobre os eventos da velha Roma de Júlio César. Dos jornais-cartazes colados em postes nas ruas, por volta de 1700 (?), até o rádio  se passaram quase 200 anos. Já da mídia radiofônica até a televisão foi quase um pulo, e para a internet outro. O século XX foi porreta para ajudar (nós humanos preguiçosos e sedentários) a falar mais/ para mais pessoas/ ao mesmo tempo/ com o menor esforço. Ufa! 

Nessa andança pelas ruas cibernéticas da WWW, descobri o óbvio: Thomas Edison! O genial inventor da lâmpada e de outras centenas de coisas, incluindo o megafone (e não descobriu a aspirina)! Ah, Edison! Ah, Edison! Depois disso, logo vieram os altifalantes, os carros de som, os trios elétricos! Sanada minha curiosidade, fiquei pensando no quanto a gente só vai acumulando novas linguagens e novas tecnologias.  

O mais interessante é que essa comunicação gritada da era das cavernas "mamuuuuuuteeee assaaaadoooo" não sai de moda. Diariamente, vemos "trogloditas" berrando por ai seus produtos em ônibus, praças, calçadas... E isso não ocorre somente nas cidadezinhas interioranas. Mesmo nas metrópoles, que já têm acesso a todos os meios de comunicação modernos e de última geração, com tele-pamonha inclusive, somos obrigados escutar alguns bordões pelas entrequadras da cidade. Aqui a campeã - depois do irritante caminhão "abacaxi pérola, freguesa! docinho, docinho, diretamente do Espírito Santo" - é a garganta profunda da mocinha que não se cansa de repetir aos ventos "pamonhaaaaaaaaaaaaaaaa quentinhaaaaaaaaaaaaaaaaaa, pamonhaaaaaaaaaaaaaaaaaaa", em plena cidade com mais de 2 milhões de habitantes. Tomara que ela não seja apresentada a um trio elétrico, vai que ela se dana a repetir o funk da pamonha? "Se eu te dou minha pamonha, você me dá o seu cural? Vai cural! Vai cural!"


P.S. Este tipo de comunicação é um híbrido de spam e delivery, pois vem sem a gente pedir e chega ao domicílio com seu entregador. 

Rave de Natal por que nem todo mundo acredita em papai noel.

Papai Noel invade as ruas para eu não esquecê-lo

Em, 07.12.2010
Por  Pietra Luña


Não reparei exatamente quando as ruas de Brasília começaram a ter "cara" de natal. Final de novembro? Talvez. Porém, não tenho mais como ignorar que estamos perto da penitência natalina e, por consequência, dos transtornos emocionais que vêm como presentes caros nessa data.

Ainda que eu apele para a bonitinha história da comemoração ou do interessante surgimento das luzes do natal, não posso negar que já me cansei da repetição mal-sucedida a qual sou convidada obrigada (?) a conviver todos os anos (ou me restará ser eremita como Thoreau) para não ouvir reclamações até o ano que vem. 

O mês de dezembro vem deliciosamente recheado como um imenso e pesado peru. Vemos uma farofada destemperada de amigos ocultos; um panelão de sentimentos remoídos e assados por longo tempo que se juntam ao pálido arroz dos parentes esquecidos. É uma mesa posta de hipocrisias, desconfortos e juras mentirosas de bem-querença a cada abraço de  "feliz natal" ao som da remixada "noite feliz". E haja bebida para disfarçar tantos constrangimentos ao juntar dos ombros estranhos antes dos dissimulados tapinhas nas costas. 

Sei que algumas famílias "terrivelmente felizes" devem fazer ceias natalinas menos conflitantes (com todos os membros bem adestrados para o evento). Entretanto, pergunto-me: será possível em um reduto familiar todos os participantes se darem bem e quererem ali estar ou este é o dia do exercício do poder patriarcal/matriarcal de colocar todos sob o mesmo jugo? Que cultura mais sórdida e sádica é esta? 

O problema não é gostar do natal, a questão é viver em um lugar onde todos dizem apreciá-lo. O dilema é querer não participar e estar rodeado de avisos: é natal! é natal! é natal! é natal! Uma lavagem cerebral no  estilo "compre batom" se espalha nas ruas, nas lojas, na repartição, na TV, no bairro, no comércio, nas perguntas, nos papos. Já comprou os presentes? Vai passar o dia do natal onde? E ai de você dizer: não gosto do natal. Ah, não seja intolerante, ouviria. Mas é exatamente dessa intolerância contra quem não gosta destas festividades de fim de ano que estou falando! O marketing é tão eficiente que já fizeram o bom velhinho verde que dá mimos sustentáveis! 

Eu já resolvi que no dia 24/12 farei uma rave à fantasia: papai noel, gnomos, capetas, santos, bruxas, cristos,  fadas, deuses, saci-pererês e outros seres imaginários, entidades divinas, personagens de lendas se reunirão na grande festa do mitos para dançarem sem parar até chegar o dia 26. Comprem suas fantasias! Porque eu já tenho a minha e incendiarei o Natal com a tocha de Prometeu.  

Pintura urbana - Madrugada de retrovisores


Obras de Wagner Hermuche
Em, 06.12.2010
Por  Pietra Luña



Certa vez vi na Caixa Cultural uns desenhos/pintura de Wagner Hermuche e fiquei bem impressionada com a semelhança que algumas fotos que eu tirava se pareciam lembravam os temas dele. Eram fotos antigas da década de 80, quando as máquinas fotográficas ainda eram muito menos sofisticadas do que as atuais e dependíamos das revelações de filmes em rolo. Velhos tempos de fotos e  mais fotos tremidas, sem foco, sem luz, sem enquadramento e sem jeito de deletar antes de se gastar uma grana com elas. Então, para reeditar minha memória e brincar um pouco com as ruas de Brasília, sai com minha maquininha amadora digital buscando uma mistura da mostras do artista inspirador: A Cidade através da janela, Das noites brasiliana e Cidadão X. Desta miscelânia criei minha "Madrugada de retrovisores". 





Amora, amores e maravilhas


Em, 05.12.2010
Por  Pietra Luña


O domingo estava ensolarado e optamos por um passeio ao ar livre. Perto da casa da vozinha tem um parque e no caminho até ele muitas árvores (a cidade tem mais de 1,5 milhões árvores frutíferas, sabia?) em pleno vigor nesta época do ano em Brasília. Na vizinhança encontramos manga, abacate, goiaba, jamelão e a pretinha amora!

Algumas crianças adoram se colorir daquele tom rubro, "um vermelho bem roxo" (rs) que tinge os dedos e a língua. Eu nem sabia, mas muitos frutos, originados de diversas espécies e alguns híbridos, são chamados de amora (morus), até a framboesa. Lá vem mais curiosidades: tem amora branca (alba), preta (nigra) e vermelha (rubra). A branca é a preferida dos bichos-da-seda e as negras... hum, se transformam em deliciosas geléias para se comer num café da manhã demorado nos fins de semana. Fomos à cata. 

Quando chegamos perto das amoreiras, a pequena resolveu subir no pé para se lambuzar como deve ser a infância. Tenta daqui e tenta dali, nada. Desce galho, sobe pé. Nada. Até que veio a ideia de subir nas minhas costas para a partir do meu cangote agarrar a árvore e sem deliciar entre a folhagem. Mas a gente ria tanto, e gargalhava tanto da situação (do meu corpo "escorregadio" e da inexperiência de uma menina urbana em escalar árvores), que ninguém tinha forças para terminar a tarefa (que merecia muitaaa concentração). 

Ali, no pega-pega para o sobe-sobe e cai-cai rindo-rindo, revelávamos nosso amor pelo inusitado, pelo natural, pelo improviso, pelo domingo à tarde. Festejamos nossos amores entre as maravilhas da cidade adornada de sabores. A vozinha, na esquina do parque, sorria vendo a filha e a neta se divertindo entre as amoreiras brasilienses na ânsia de alcançar um apinhado de pequeninos gominhos roxos até o sol se por. 

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Domino´s nunca mais!

Em, 04.12.2010
Por   Pietra Luña


Gosto dos sábados. É o único dia da semana em que posso acordar tarde e tenho mordomia, almoço quentinho na hora que eu quiser e a possibilidade de dormir tarde por não ter que fazer nada no dia seguinte (domingo) maiores obrigações.

Contudo, esta tarde foi atípica e tive que trabalhar até meia noite, o que me demandou horas e horas fora de casa, sem conforto, com atividades para resolver e fome, muita fome! Ficar fora de casa, por longo período, por causa do trabalho é isso: sujeitar-se a qualquer coisa. Como a demanda era em equipe (três pessoas) e não dava para todos saírem em busca da caça, o jeito foi encontrar um delivery. Pizza ou sanduíche? Por maioria: gigante, meia frango com catupiry e meia portuguesa, uma coca-cola dois litros. 

A pressa de encher a pança era tão grande que nos lembramos da pizzaria Domino's, a "rapidinha",  do sloga "You Got 30 Minutes", que substituiu (nos E.U.A) o antigo "entregamos em meia hora ou você fica com a pizza grátis". O único problema é que se esqueceram, no Brasil, de avisar às franquias de retirarem a propaganda enganosa ainda válida aqui. Vou explicar.


Nos Estados Unidos, depois de problemas com indenizações, a rede fast-delivery resolveu abolir a velha propaganda: pizza na sua porta em 30 minutos ou não precisa pagar nada. E, essa mudança (acredite) já tem quase 20 anos. Lá na terra de Obama perceberam que era inviável cumprir a promessa e o Tio Sam cumpre leis. Já aqui na terra de Gerson, pelos menos nas ruas de Brasília, mais precisamente na 105sul (loja que eu liguei para fazer o meu pedido), fingem que está tudo bem quando não está.

Pois bem, liguei às 17h para encomendar e a atendente Samira disse que a pizza só iria chegar ao destino depois das 18h. MAIS DE UMA HORA DEPOIS. Eu questionei e perguntei: "então você atende o telefone para me informar que eu não posso pedir a pizza e que não vai entregar na meia hora da propaganda". Ela responde: "'a senhora pode pedir, mas a pizza só sairá daqui depois das 18h porque não tem motoboy e temos que esperar ele voltar". 

Gente, eu surtei! Juro! Como assim não tem motoboy? Como assim não tem plano B? Como assim? Como assim? Chamei a supervisora e ela repetiu a mesma coisa. Como um empresário que tem um mote de rapidez pode não cumprir sua promessa? Ele que contratasse um outro motoboy naquele dia ou fechasse as portas! 

Fiquei depois pensando em como os serviços aqui são ruins. Já teve um post aqui, inaugural, no qual tratei sobre a falta de qualidade dos serviços e da indiferença de seus proprietários em manter um negócio digno e com bom nível. O empresariado é irresponsável, essa é a minha conclusão. Abrem um negócio de qualquer forma, atendem de qualquer jeito, ignoram a clientela e dão um foda-se para quem reclama. No Domino's eu não compro mais. Muito menos recomendarei, aliás ao contrário direi aos ventos que essa propaganda já não existe lá fora, e do embuste a que estamos sujeitos. Acabamos comendo a pizza Pomodoro, em 35 minutos.


Shopping ou entrequadra?



Em, 03.12.2010
Por  Pietra Luña


Tem aniversário hoje e a minhas dúvidas são grandes: o que dar de presente e onde comprá-lo. Eu não gosto de bater pernas nos templos capitalistas. Acho um saco encarar lugares cheios com cara de compre aqui, compre mais e compre já. Entrar nos elefantes Parkshopping, Conjunto Nacional ou Pátio Brasil me dá faniquitos. Aquele tanto de gente pra lá e pra cá. Mil escadas rolantes que não sei para onde vão. Rodar atrás da loja X ou da Y, só de imaginar fico com pânico. 


Então, pensei em ir em alguma loja de entrequadra, mas qual foi a surpresa? Não sei onde tem lojas de produtos masculinos nessas comerciais do plano (deviam fazer um catálogo virtual por quadra e por tipo de produtos!). E agora? Resolvi rodar por algumas e constatei que: é impossível estacionar (já nem me lembrava desse horror!).  Sem opção, tive que me render e a boa notícia é que existem shoppings menores e mais vazios. Ebaaaaaaaaa! Liberty Mall e Brasília Shopping, lá vou eu! Depois eu conto como foram as compras, tá? Se eu sobreviver ao programa, pois é dezembro e a compulsão natalina deve ter atacado muitos consumidores por aí. Estou com medo...



Brasília: cidade camaleônica




Em, 02.12.2010
Por  Pietra Luña

Quem mora na capital federal sabe o quanto se pena com a seca. Ela é obstinada e pinta de vermelho os lugares por onde passa. Traz consigo o calor e a fúria do fogo. Os parques são incendiados, as pessoas adoecem e a baixa umidade castiga paisagem e gente, como se diz por aí. Ficar de três a quase seis meses sem chuva não é fácil. Mas como tudo tem dois lados, a natureza oferece seu espetáculo com Ipês floridos, coloridos, e belíssimos crepúsculos. 

Ver Brasília seca nestes anos 2010 não se compara ao "cinza" (marrom mesmo de terra escavada ) do cimento que se erguia na década de 60, quando foi plantada no "meio do nada". Conhecida pela arquitetura de Niemeyer e as estruturas de concreto armado, a cidade mantém uma roupagem sóbria com seus prédios e monumentos pintados de branco ou quase incolores sobre as linhas planas do plano piloto e do eixo monumental. Quem colore suas cenas é o tempo: de seca e de chuva. De marrom e de verde. 

Estamos na fase vicejante, vendo o mato crescer nas quadras e nas encostas do eixão. Não se pode negar que vivemos cercados de árvores de várias espécies, que harmonicamente se misturam ao ambiente artificial, florindo o mundo do asfalto. Todavia, assim como a secura, a chuvarada também traz suas mazelas alaga, esburaqueia o asfalto,  adoece. É a natureza e seus ciclos que Brasilia bem sabe, pois é uma urbe mutante: verdejante cidade vermelha erguida de cinza.




"Verde, as matas no olhar, ver de perto

Ver de novo um lugar, ver adiante

Sede de navegar, verdejantes tempos

Mudança dos ventos no meu coração
Verdejantes tempos
Mudança dos ventos no meu coração"


A música de Brasília


Em, 01.12.2010
Por  Pietra Luña


A cidade acordou nublada e somente às oito da manhã eu vi surgir um pouco de sol se deitando na ponta do prédio vizinho. Do mesmo jeito que o raio chegou escorregadio, veio a cantoria de alguns passarinhos da rua. No instante pensei: qual é a música de Brasília? Qual é o tom que ela emite? Pois acho que toda cidade tem um som e tem um aroma. Consigo sentir o cheiro de São Paulo e do Rio de Janeiro só de me imaginar andando pela Augusta ou pela Vieira Souto, assim como é inesquecível o cheiro do pelourinho de Salvador. Aqui tem cheiro de cimento.

Dirigindo o dia inteiro (porque eu tinha mil coisas para fazer na rua), fui buscar a musicalidade do bairro. Sim, porque acho que cada lugar deve ter seu ruído. Lembrei-me que, em setembro, no plano-piloto temos as sonoras cigarras que não cessam de ocupar nossos ouvidos.  Nas outras estações, os bem-te-vis e outros cantores (não sei nome das espécies) preenchem os dias mais ensolarados. 


Desliguei o toca CDs do carro, calei o Pouca Vogal e fui andar com ouvidos atentos para dar aos meus sentidos uma outra cidade. De um canto a outro, posso dizer que praticamente não ouvi qualquer buzina! A melodia brasiliense é agradável. Os olhos abertos que miram o trânsito, os engarrafamentos, os estacionamentos lotados, quando fechados nos dão a chance de ouvir uma capital muito diferente daquela vista. Ouvi uma cidade relativamente tranquila. Se não fosse pelo porém (ele sempre aparece).

Eu escutava um vrunhumm-vrunhumm feito batedeira velha: as motos! Que inferno é o som das motocicletas agrupadas feito enxame: vrumm-vrummm! pocpocpocpoc! vrummm-vruummm! pocpocpocpoc! A harmonia   foi-se embora. E, como eu pouco cruzei com veículos desregulados ou com escapamentos detonados, não me vi passando por uma bateria de escola de carro-samba na W3. Ainda bem. Claro que vez por outra atravessava um desafino por causa de uma buzinadinha aqui, uma freiada ali ou uma sirene acolá. Entretanto, dezembro nascia ao som dos passarinhos e do silêncio que ocupa a vaga que o vento deixa logo após um carro passar rápido por você. Ssshummm, com cheiro de chuva.   






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